"Noah" - geração internet: o cinema tentando entender os limites das mudanças de hábitos

Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/cinema/



08 de Outubro de 2013


Feito por estudantes, filme que se passa apenas em tela de computador vira hit

Dirigido por jovens canadenses com orçamento equivalente a R$ 645, "Noah" mostra perspectiva de adolescente enquanto navega e se relaciona na internet; leia entrevista com o cineasta Walter Woodman



A ação começa com uma mensagem que pede login e senha. Seguem-se o inconfundível som de um Mac sendo iniciado e a aparição de um casal adolescente no fundo de tela da área do trabalho. O primeiro clique é no Google Chrome; a maior parte dos diálogos, no chat do Facebook.

A tela de um computador é o único cenário de "Noah", curta-metragem de 17 minutos que foi exibido em setembro no Festival de Toronto e virou hit na internet. Por trás do projeto estão os canadenses Patrick Cederberg e Walter Woodman, de 22 anos, recém-formados em cinema pela Universidade de Ryerson, em Ontario.

"Noah" mostra a perspectiva do personagem-título enquanto ele navega e se relaciona na internet. No último ano do colegial e prestes a entrar na faculdade, Noah é um adolescente como qualquer outro, que passa horas no computador, mergulhado em uma imensidão de "abas" e programas. Uma conversa com a namorada no Skype, interrompida inesperadamente, faz com que Noah comece a suspeitar que ela quer terminar o namoro - e, pior, que tem outro amor.

A suspeita dá início a um instigante retrato da era moderna - da paranoia que as redes sociais podem inserir aos relacionamentos à constatação de que tantas novas formas de se comunicar por vezes resultam em comunicação alguma.

A crítica, aparentemente, se estende aos próprios diretores. "Embora nada do filme tenha acontecido exatamente do mesmo jeito comigo ou Patrick, há muito de nós e de nossas experiências ali. Também estamos sempre conectados", disse Woodman, em entrevista por telefone ao iG . "Nosso objetivo era fazer com que as pessoas se conscientizassem sobre o que estão fazendo. A tecnologia e a internet tomam tanto o nosso tempo que precisamos pensar sobre isso."

A ideia de contar tudo usando apenas a tela do computador foi, inicialmente, uma forma de reduzir custos. "Nos questionamos sobre qual seria a câmera mais barata que poderíamos usar e pensamos: provavelmente uma webcam", contou o diretor.

Após considerarem que a ação via webcam não sustentava um bom filme, eles decidiram construir a narrativa a partir de uma série de "screenshots". Para isso, criaram perfis falsos para os personagens nas redes sociais e os alimentaram por cerca de seis meses. "Ficávamos mandando mensagens um para o outro, o que era bem estranho", contou Woodman.

Para outros momentos, como quando Noah entra no Chatroulette (site que promove bate-papo entre estranhos, por meio de seleção aleatória), os diretores contaram com a ajuda de amigos. A trilha sonora foi resolvida com playlists do próprio Noah no iTunes - e as canções mudam de acordo com o momento da história, de "Ram On", de Paul McCartney, a "Master of Puppets", do Metallica.

Depois de conseguirem todo o material, os cineastas se reuniram para "coreografar e animar o filme". Neste sistema, conseguiram realizar o curta por apenas 300 dólares canadenses, o equivalente a quase R$ 645.

"Acho que nossa geração está tentando provar que as ideias são mais importantes do que um grande orçamento", afirmou Woodman, "Neste sentido, o YouTube é uma nova plataforma, uma nova oportunidade. Não há dúvida de que mais gente assiste vídeos na internet do que no cinema."

"Noah" chegou ao Festival de Toronto após vencer uma competição estudantil com representantes de várias universidades do Canadá. A inscrição foi feita por professores da dupla. "Achávamos que nada melhor do que isso poderia acontecer", disse Woodman. "Foram vários dias de bebida e comida de graça."

Mas o sucesso veio de fato quando "Noah" venceu o prêmio YouTube de melhor curta canadense no festival e foi publicado no site, o mais popular de vídeos do mundo. "Foi aí que a coisa ficou louca", define o diretor.

Na noite da publicação, foram 700 visualizações; na manhã seguinte eram 20 mil; dias depois, a marca de 1 milhão tinha sido batida. "Acho que o filme funciona no computador. É o lugar ideal para assistir", disse Woodman.

Apesar disso, ele e Cederberg decidiram retirar o vídeo do ar há algumas semanas, após serem recusados por outros festivais que não veem sentido em exibir um filme que qualquer um pode assistir na internet. Um sinal de como a transformação de hábitos exposta em "Noah" também confunde o mundo do cinema.


(Notícia publicada em 08/10/2013)